Estou lendo “Rimbaud”, uma biografia do poeta francês, por Edmund White (Cia. das Letras, 2010). Rimbaud foi uma figura emblemática de minha adolescência. Ele me fascinava pela sua revolta contra os valores tradicionais da sociedade francesa no final do século XIX e por seu espírito libertário. Edmundo White afirma, logo nas primeiras páginas do livro, que sua identificação com o poeta, também na adolescência, estava ligada aos “desejos de ser livre, de ser publicado, de fazer sexo, de ir para Paris”. E completa: “Só me falta a coragem dele. E o gênio.”
Minha fascinação passava também pelo desejo de ser livre e de ir para Paris, o que só muito mais tarde vim a realizar. Mas, o principal era o espírito de revolta contra as amarras – mais no plano simbólico do que real – da família e da sociedade. A dificuldade era conciliar esses sentimentos com a minha profunda adesão religiosa. Na época eu era católico e dava os primeiros passos na direção que me levariam, mais tarde, ao ativismo político num movimento de esquerda.
Ainda guardo comigo o envelhecido livro de Daniel-Rops, “Rimbaud – Le dramespirituel” (Rimbaud – O drama espiritual), onde o autor procura mostrar que o poeta, por baixo de toda a sua devassidão e amoralidade, soube se engajar no único combate que vale a pena para o cristão, o combate espiritual, tão brutal como a batalha dos homens. Hoje tenho sérias dúvidas sobre esse argumento, mas, na época, ele me parecia a única ponte possível entre o cristianismo e um jovem poeta que, gratuitamente, pichava as paredes de sua provinciana Charleville com um ”Merde a Dieu”.
O que eu admirava em Rimbaud era menos a sua obra do que a sua figura humana ou o que se dizia a respeito dela. Da obra, conheço apenas “Iluminações” e “Uma temporada no Inferno”, ambos na excelente tradução de Lêdo Ivo (Ed. Civilização Brasileira, 1957). Li várias vezes, embevecido, mas entendia pouco, acho que nem mesmo apreciava todo o seu valor literário. Algumas passagens ficaram marcadas, entre elas a sua tentativa desesperada de criar uma nova linguagem, atribuindo, por exemplo, cores à vogais, e, diante do fracasso, a proposta do silêncio definitivo (Rimbaud parou de escrever aos dezenove anos e foi ser comerciante de armas na África).
Hoje eu me indago sobre os focos da rebeldia adolescente, tão importante na formação do ser humano. Tento descobrir no comportamentoda juventude – roupas, tatuagens, grunhidos e preferências musicais – traços da rebeldia. Não consigo, pois o tempo que me separa da gente jovem é grande, mas desconfio que ela ainda exista, talvezassumindo novas formas. Certamente não é mais a rejeição à sociedade de consumo dos anos 60 e 70. Também não se manifesta no engajamento político, traço de uma minoria que ainda cultiva os esmaecidos valores de esquerda e direita. Outra possibilidade, o conflito de gerações, parece estar no seu ponto mínimo: não são poucos os jovens ainda moram com os pais até os trinta, quarenta anos ou mais.
Sem entender as coisas, eu passo.