CHEGADA
Depois de uma longa e cansativa viagem, partindo de Granada e passando por Málaga e Casablanca, cheguei às 10 da noite ao Aeroporto de Marrakesh, onde me esperava o motorista de táxi que eu havia contratado. Carro novo, largas avenidas com trânsito livre. Tudo perfeito.
A certa altura o motorista para o carro numa pequena praça escura e barulhenta, atulhada de gente e de motos, e, sem nada explicar, tira a minha valise do porta-malas e entrega a um carregador que a joga num carrinho de mão imundo. Só então me diz que, a partir daquele ponto, os automóveis não podem passar e eu devo ir a pé, acompanhando o carregador. Sem opção, vou seguindo pelo labirinto da Medina, a imensa cidade antiga de Marrakesh. Na semiescuridão, vejo que meu guia veste uma túnica (caftan) e um turbante brancos.Descalço, ele anda apressado sem me dar a mínima atenção. Tenho a sensação de ter sido sequestrado, mas não há como fugir. Lá pelas tantas, entramos numa ruela escura de um metro e meio de largura. O piso é de tábuas que balançam e, ao olhar para baixo, entre elas, percebo que estamos sobre um buraco profundo. Finalmente, o carregador para na frente de uma porta de madeira escura, única peça numa parede alta e lisa sem janelas ou saliências, e toca a campainha.
Eric e Didier, os franceses proprietários do Riad onde vou me hospedar, me recebem com o melhor dos sorrisos. Estou quase em pânico e eles tentam me acalmar. Depois do jantar, percebo que, por vias tortas, cheguei ao paraíso ou, melhor dizendo, a um oásis dentro da Medina.
O RIAD
Os riads de Marrakesh são antigas mansões, muitas delas hoje usadas como hotéis ou restaurantes. O termo significa “jardim fechado”. Têm, em geral, dois ou três andares e os poucos quartos se voltam para um vão central quadrado, onde no térreo se encontra o jardim. Quase não têm janelas dando para o exterior e, por isso, quem passa na rua não consegue identificá-los. O riadHoudou, onde fiquei, tem um belo jardim e, em torno dele, salas com decoração marroquina de muito bom gosto. No centro um pequeno chafariz. O contraste do espaço interno tranquilo com os becos agitados e barulhentos da Medina é total.
Os proprietários fazem questão de apresentar os hóspedes uns para os outros. Eles se encontram no café da manhã e à noite, quando há sempre um requintado jantar marroquino, às vezes com a presença de um cantor local.
As tábuas que forram o beco em frente ao riadHoudou são, na realidade, proteção sobre as valas abertas para reforma da rede de esgotos que, segundo os proprietários, nunca termina.
LABIRINTO
A Medina de Marrakesh e seus mercados (souks) nada têm de romântico. É um emaranhado de becos que formam um verdadeiro labirinto. Neles circulam pedestres, motos, bicicletas, carroças puxadas por jegues, carregadores empurrando carrinhos de mão e o que mais se possa imaginar, de tal maneira que caminhar distraídono centro das vielas é um perigo real.
Eu me perdia com frequência e precisava pedir informações, o que pode atrair os chatíssimos falsos guias, sempre prontos a “prestar serviços” por alguns dhrams (moeda local).
Tirar fotos na rua é um perigo se alguém suspeitar que está no foco da câmera. A maioria dos marroquinos não gosta de ser fotografado e alguns não se importam desde que sejam remunerados.
Dizem que não há violência do tipo assalto, sequestro ou assassinato (um amigo ouviu dizer que o rei mandou cortar algumas mãos, o que restringiu a violência). Em compensação, rouba-se abertamente no comércio. O primeiro preço de qualquer mercadoria ou serviço para turista é quase sempre o dobro do que o comerciante está disposto a receber, o que pressupõe negociações e acordos a cada esquina (o que eu detesto).
Nunca vi tantos ateliers e lojas de artesanato de boa qualidade. Serralheria artística, peças em gesso, madeira, cerâmica, couro, joias etc. Pena que não sou do tipo comprador…
A Medina é toda cercada por muralhas e, junto a elas, alguns jardins. Fora da Medina, a cidade tem vias e prédios modernos, estes quase todos de seis andares e de cor “telha”, mas, com uma ou outra exceção, nada que possa interessar.
CULTURAS DIFERENTES
Já viajei por muitos lugares com costumes estranhos, mas Marrakesh está no topo da lista. Nunca se sabe a real intenção de quem o aborda na rua. A vida religiosa está mesclada com o cotidiano. Um cantor que dava um show no riad em que me hospedei, por exemplo, interrompia a música na hora em que as mesquitas irradiavam as orações (são cinco orações por dia). Bebidas alcóolicas são proibidas nos bares e restaurantes. Os conceitos de higiene são diferentes.
Os berberes são os habitantes originais do Marrocos e ainda hoje representam quase metade da população, mas a sua língua não pôde ser ensinada nas escolas por centenas de anos, só o árabe. O acesso às mesquitas é proibido para os não muçulmanos.Ao que parece, isso foi uma norma imposta pelos colonizadores franceses para evitar conflitos religiosos.
Os códigos são bem diferentes, o que cria um pouco de tensão na vida do visitante. Acho que esses incômodos devem diminuir à medida que se aumente o tempo de estadia. Ou, para os que preferem (não é o meu caso) viajar em excursões, com guias e bandeirinhas.MONUMENTOS
Há monumentos muito interessantes em Marrakesh. Um deles é o JardinMajorelle, criado em 1922 pelo pintor francês Jacques Majorelle e, depois de sua morte, comprado e restaurado pelo estilista Yves Saint-Laurent que foi enterrado lá. Outro que me emocionou bastante foi a medersa Ben Youssef, um antigo seminário islâmico, hoje desativado, que, em certos aspectos da decoração, rivaliza com o maravilhoso Alhambra, de Granada.
Lamentei não ter estudado a arte islâmica antes de ir ao Marrocos. Ajuda muito a apreciar as coisas bonitas de lá. Ainda assim, não me arrependo dos momentos agradáveis que desperdicei no riad, debaixo das laranjeiras, tomando uma boa cerveja (lá dentro é permitido), fugindo do calor de 35 graus e estudando um pouco sobre o tema.
OS HAMAMS
Os hamans são casas de banho a vapor (saunas) usados para os rituais de purificação e constituem um elemento essencial de todas as cidades islâmicas. Funcionam também como lugares de lazer e encontros sociais. Em Marrakesh há hamansseparados para homens e para mulheres. Perto do riad em que eu estava hospedado havia um e fiquei tentado a visitá-lo mas não quis encarar a possibilidade de ser rejeitadopor ser turista.
Um dia, pouco antes do jantar, fui convidado pelo rapaz berbere que trabalhava no riad para “buscar a carne de carneiro que estava sendo cozida no subterrâneo do hamam”. Mesmo sem entender muito bem do que se tratava, aceitei o convite.
Entramos pelo estreito corredor existente entre os hamans masculino e feminino, descemos por uma escada estreita e chegamos numa grande caverna, escavada na terra, onde o calor era terrível. Era ali onde se aquecia a água e se produzia o vapor utilizado nos hamans, por meio de um enorme forno mantido sempre aceso. Um senhor idoso, responsável pelas operações, desceu a um fosso ainda mais profundo do que o nível onde estávamos e trouxe de lá um pote de cerâmica tampado com um pano.Sorridente, o entregou ao rapaz do riad. Além de produzir vapor para o hamam, a alta temperatura da caverna é usada para cozinhar, durante horas, as carnes trazidas por vários clientes. O senhor idoso mora ali mesmo, numa caverna bem ao lado do forno… Antes que as nossas próprias carnes assassem, voltamos ao riad para comer a deliciosa carne de carneiro.
TAJINES
Boa parte da culinária marroquina é feita em tajines. São recipientes de barro individuais, semelhantes a um prato fundo, cobertos com uma tampa em forma de cone. Do fogão ou forno, pelando, vão diretamente para a mesa. Tajine significa tanto o recipiente quanto o tipo de comida que nele se cozinha.
Os ingredientes são muito variados, incluindo carnes, sobretudo a de carneiro, diversos tipos de legumes e molhos deliciosos, muito condimentados. O cuscuz vem à parte e é quase obrigatório, substituindo o que seria o nosso arroz.