Minha rotina de sono foi rompida por um fato inusitado: um “i” – um simples “i” – provocou um período de insônia nas minhas noites bem dormidas.
Sim, leitor, eu durmo bem. Sete horas por noite com um intervalo de uma hora, por volta das três da madrugada, quando aproveito para ir ao banheiro e preparo o café da manhã. Nessa hora de vigília, geralmente avanço algumas posições do livro que estou lendo no meu e-book. Neste dispositivo digital não existem páginas, mas somente posições; a quantidade total de posições do livro depende do tamanho das letras escolhido. Os mais velhos adoram esse tipo de ajuste que o livro-papel não oferece. Ao fim da leitura, uma xicrinha de café é indispensável e, no meu caso, estimula sonhos agradáveis.
Pois bem, numa noite recente essa rotina foi rompida por um fato inusitado. Um “i” – um simples “i” – provocou um período de insônia nas minhas noites bem dormidas. Eu me explico.
No dia anterior encaminhei para a revisora as últimas correções do livro que escrevi e que já está na gráfica para a impressão. Uma ótima revisora, diga-se de passagem. Mas, como todo mundo, tem as suas distrações. Ela fez as correções no texto diagramado, mas esqueceu-se de apenas uma: um “i” no nome Luísa que ficou grafado como Lusa. Nada muito grave uma vez que se trata do nome de um parque e a referida Luísa já se foi há muitos anos. Reconheço que a ausência do “i” seria gravíssima se a personagem fosse a mulher amada, mas não era o caso.
Perguntei à revisora se não era possível corrigir o erro na matriz gráfica e ela me respondeu que sim, mas à custa de mais atraso no cronograma de entrega, o que me fez desistir da ideia e sustentar o erro diante do meu público de uns cinco leitores obsessivos que notam esses detalhes. Não se preocupe, disse ela, a falha não é num elemento estrutural do texto (seja lá o que signifique esse adjetivo).
Diante dessa explicação técnica, dormi com a consciência tranquila. No entanto, a falta do “i” me roubou um bom tempo de sono naquela noite. Inquieto, rolei de um lado para o outro na cama, sem me conformar com o acontecido. Tentei limpar a cabeça com o método de contar as aspirações sem nenhum resultado. O “i” faltante me dominava por completo.
Levantei e raciocinei: havia milhares de palavras no livro, quase todas escritas de maneira correta; que importância tinha um só errinho e, ainda por cima, numa letra tão raquítica quanto um “i”? Se ainda fosse um “a” ou um “o”, mais robustos… Deitei de novo tendo a racionalidade como colchão e, ainda assim, nada de sono.
Amanheceu e só então o “i” foi apagado de minha cabeça. Apagado? Melhor seria dizer que foi abafado pelas mil preocupações do cotidiano. Quem sabe um dia ainda volta nas palavras de um leitor malvado que, na hora da sobremesa, aponta o descuido da revisão, a falta do “i” que transformou Luísa em Lusa?
Fato é que conhecemos muito pouco sobre o nosso cérebro, capaz de grandes ideias e do suplício de uma noite mal dormida por causa do “i” faltante.