Não é de hoje que circula entre alguns parentes a versão de que o sobrenome Cadaval estaria ligado à linhagem dos Duques de Cadaval, de Portugal. Essa versão foi reforçada quando Luiz recebeu a carta de um desses nobres portugueses pedindo informações sobre as origens da família no Brasil (e nunca respondeu). A verdade é que ninguém tinha essas informações e os Cadaval brasileiros continuaram sem direito a um título nobiliárquico e a uma quinta no interior de Portugal…
Mitos como esse surgem quando a nossa curiosidade natural em relação às origens não encontra resposta no conhecimento objetivo dos fatos. O mito, não é tanto uma mentira coletiva, mas sim o esforço para entender o passado, incitando as pessoas a ultrapassar seus próprios limites e elevar-se para os modelos sociais, religiosos etc. O que eu me pergunto sempre é porque algumas pessoas da família elegeram como “modelo” essa estrutura arcaica da nobreza…
Para ser sincero, sempre duvidei dessa origem nobre. Cadaval, em Portugal, é a designação de um título nobiliárquico antigo e não um sobrenome de família. O nome do primeiro Duque de Cadaval, que viveu no século XVII, era D. Nuno Caetano Alvarez Pereira de Melo. Atualmente, quem tem o título é uma mulher, a 11a. Duquesa de Cadaval, nascida em 1978 e que se chama Diana Mariana Vitória Álvares Pereira de Melo. Escritora com três livros publicados,dizem ser também uma excelente empresária que administra as propriedades da família em Évora e outras localidades de Portugal. Casou-se com um nobre francês e tem uma filha.
Em 2007, incomodado com a ignorância sobre o passado de nossa família, mas sabendo que o meu avô nasceu na cidade do Rio Grande, contratei um especialista de Porto Alegre para fazer uma pesquisa nos inventários da família Cadaval existentes no Rio Grande do Sul. O que vem a seguir é, em parte, resultado desses levantamentos.
Anastácio Francisco desembarcou no Porto de Recife, no final do século XVIII, com a intenção de começar vida nova na colônia. Vinha de Portugal e, ao que parece, deixou lá os seus filhos do primeiro casamento (Antônio José das Mercês, Gertrude Maria, Bernardina Maria das Mercês e Lourenço Francisco). O sobrenome Cadaval veio, provavelmente, dolugar onde nasceu. Por muito tempo, em Portugal, a maioria das pessoas simples não era registrada com um sobrenome e se identificavam ora pelo lugar onde nasceu, ora pela profissão ou outra característica.Assim Anastácio Francisco poderia ser conhecido por sua proveniência, ou seja,de Cadaval. O problema é que tampouco os nomes dos lugares permaneceram constantes ao longo dos anos. A pequena cidade de Cadaval, que hoje existe próxima de Caldas da Rainha, pode ter tido outra denominação no passado e outra localidade ou região é que se chamava Cadaval. Ou seja, tudo é muito impreciso e, para conhecer melhor as origens de um antepassado é preciso muita pesquisa.Nada se sabe também sobre sua profissão e condição social, mas, na época, eram quase sempre as pessoas pobres que emigravam, à procura de melhores condições de vida no Novo Mundo.
Em Pernambuco, Anastacio Francisco conheceu Anna Joaquina dos Anjos, com quem se casou pela segunda vez. Com ela teve quatro filhos: João Anastácio Cadaval, José Anastácio Cadaval, Senhorinha Joaquina e Caetana Maria de São José. Por algum motivo, a família mudou-se para a Cidade de Rio Grande, na então Província do Rio Grande do Sul. Foi láque morreram Anastácio Francisco, em 1823, e Anna Joaquina dos Anjos, seis anos mais tarde.
A linha de descendência que veio dar no meu pai (Luiz Palhano Cadaval) partiu de Caetana Maria de São José. Não se sabe se em Pernambuco ou já no Rio Grande, ela casou-se com Manoel Antônio de Carvalho. É certo que teve um filho, chamado Luiz Anastácio Cadaval. O curioso é que, nos inventários, Luiz Anastácio Cadaval aparece como filho natural de Caetana e pai incógnito. Aí vale qualquer especulação.
Foi na Cidade do Rio Grande que Luiz Anastácio cresceu, prosperou e constituiu a sua extensa família. Em meados do século XIX, Rio Grande era uma importante cidade portuária, por onde passava grande parte do movimento comercial com as outras províncias do Brasil. O comércio era principalmente de charque, o principal produto da região, essencial na alimentação dos escravos em todo o Brasil. Meu bisavô viveu em Rio Grande na época da Revolução Farroupilha e é provável que, como a maioria dos comerciantes locais, fosse partidário dos monarquistas (legalistas) e contra a emancipação política da província. Aliás, os habitantes de Rio Grande, assim como os de Porto Alegre e Pelotas, na época as principais cidades do Rio Grande do Sul, nunca aderiram, em sua totalidade, ao movimento republicano.
Luiz Anastácio, meu bisavô, era um homem abastado, considerando a época e o lugar onde morava. Quando morreu, em 1888, era proprietário de cerca de 30 casas e credor de inúmeras pessoas. Naquela época, não havia um sistema bancário desenvolvido e os empréstimos eram feitos pelas pessoas de maiores posses, sobretudo os comerciantes. Seu inventário, em 1889, registrou um saldo acumulado de quase cem contos de reis, dos quais cerca de sessenta e cinco eram as então chamadas dívidas ativas, ou sejam valores que lhe eram devidos por várias pessoas.
Ele se casou duas vezes: a primeira com Maria Silvana Cadaval, em 1841, e a segunda com Josefa Rodrigues, em 1847, natural de Pelotas. Teve 10 filhos: Arthur Luiz, José Ribas, João Bento, Luiz, Regina, Urbano, Alípio, Pedro, Enéas Gustavo e Octavio Brasileiro.
Meu avô Luiz, cujo nome completo era Luiz de Azevedo Cadaval (não se sabe de onde veio o sobrenome Azevedo), assim como José Ribas e Enéas Gustavo, era oficiais da Marinha e moravam no Rio de Janeiro. É provável que, por influência deles, toda a família tenha se mudado de Rio Grande para a Capital do País, onde Luiz Anastácio e Josefa faleceram no final do século XIX.
Em Porto Alegre permaneceu apenas Arthur Luiz, o filho mais velho, nascido em 1852, que se formou em Direito, foi Promotor Público e Deputado na Província do Rio Grande do Sul entre 1883 e 1886.
Luiz de Azevedo Cadaval nasceu na cidade de Rio Grande (RS) em 1855. Entrou para a Marinha com 16 anos e aí permaneceu por 41 anos, reformando-se como Almirante pouco antes de falecer em 1912. Como é normal na carreira militar, morou em muitas cidades, entre elas Vitória, Manaus, Belém, Recife e São Luiz, mas sua residência permanente era no Rio de Janeiro. Luiz conheceu Izabel de Carvalho Palhano, minha avó, em Belém, onde ela – que nesta época residia em São Luiz – foi visitar uma prima. Casaram-se em 1895, quando Luiz tinha 40 anos e Izabel 19.No ano seguinte o casal fixou residência em Belém onde nasceram Laide e Zilda, falecidas ainda crianças, e Syr, meu único tio na linha paterna. Em 1903 mudaram-se para São Luiz, no Maranhão, e foi lá que nasceu LuizPalhano Cadaval, meu pai, em 1904.
De volta com a família ao Rio de Janeiro em 1905, meu avô veio a falecer sete anos mais tarde, atropelado por um bonde, aos 57 anos de idade. Deprimida com a morte do marido, Izabel, minha avó, aceitou o convite para passear em Belo Horizonte, feito por sua irmã mais velha que estava passando uma temporada na nova capital de Minas Gerais. Gostou tanto que resolveu se mudar para a cidade com seus dois filhos, Luiz de 8 anos e Syr de 14. Syr não teve filhos e Luiz casou-se com Diva abrindo uma nova página para a família.
Como se vê, é bem possível que a origem de nossa família Cadaval seja muito semelhante a de outras famílias brasileiras, lançando suas raízes em gente simples de alguma pequena vila de Portugal. Por enquanto, não há qualquer sinal de nobreza. Aliás, a residência principal dos duques de Cadaval não está na vila que deu nome à linhagem, mas num palácio em Évora.
O palácio foi fundado no século XIV sobre as ruinas de um castelo mouro e desde então pertence à família Cadaval da nobreza portuguesa. Ao lado fica a igreja de São João Evangelista, com uma bela coleção de azulejos do século XVIII. O interior é um museu aberto à visitação, onde se encontram peças históricas e artísticas muito bem conservadas. Vale a pena ser visitado.