Artes & Artigos

por Maurício Cadaval

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Mosaicos

05/02/2017 by Mauricio Cadaval

Neste meu livro, publicado em dezembro de 2016, o convite é para admirar um mosaico. São histórias da minha vida e de minha família, contadas por imagens e palavras. Memórias, reflexões, observações do mundo colhidas em inúmeras viagens se juntam a crônicas do cotidiano, desenhos, fotos e vídeos produzidos ao longo dos últimos anos. Quase todo o conteúdo está nas páginas deste site. Em casos especiais, entre em Contato e verei a possibilidade de enviar um exemplar.

Conheça o livro:

PREFÁCIO | INTRODUÇÃO | CRÔNICAS E RELATOS | HISTÓRIA DE FAMÍLIA (COM ALGUMA IMAGINAÇÃO DE FAMÍLIA) | MEMÓRIAS | RESENHAS | HISTÓRIAS DE PAULO – DOWNLOAD COMPLETO

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Filed Under: Crônicas e Artigos, Minhas Publicações

Três Fazendas

05/02/2017 by Mauricio Cadaval

Três Fazendas (Foto: Maurício Cadaval)

Por volta de 1760, a Louisiana (hoje um estado americano) ainda era uma colônia francesa. Numa fazenda da região de River Cane, vivia Marie-Thérèse Coincoin, escrava de Marie de St. Denis de Soto, filha do fundador do povoado. Foi numa de suas visitas à fazenda que Claude Metoyer, um francês recém-chegado da metrópole, conheceu e se apaixonou por MarieThérèse. Logo alugou a escrava e passaram a viver juntos. Tiveram dez filhos, três dos quais morreram ainda crianças. O pároco local, Frei Quintanilla, não aceitava a situação do casal, pois, além do casamento entre senhores e escravos ser proibido por lei, a união de MarieThérèse e Metoyer não era reconhecida pela Igreja. Tentou por várias vezes separar o casal sem sucesso, até que conseguiu a prisão de Metoyer. Logo que foi liberado, Metoyer se apresentou às autoridades, declarou-se solteiro e sem filhos, e concedeu liberdade a MarieThérèse, a quem doou uma parte de suas terras. Em seguida, casou-se com uma mulher de sua cor e nível social e teve duas filhas com ela.

 

Leia o artigo completo aqui.

Filed Under: Crônicas e Artigos

Os Guimarães

05/02/2017 by Mauricio Cadaval

Antes de se casar, minha mãe tinha o sobrenome Costa Guimarães. Isso mesmo, estou falando da Vovó Diva, como os netos a conheciam, e que faleceu em 2008 aos 101 anos de idade, em Belo Horizonte. O Costa veio de sua mãe, de uma família antiga de Sabará. O Guimarães ela herdou de seu pai, Francisco Antunes da Silva Guimarães, nascido na Alemanha.

Mas, como é mesmo…? Guimarães, com til e tudo, era o nome de um pai alemão? Calma, pois eu vou contar a história toda.

O Guimarães alemão

Hans Becker e Catarina Salter Becker emigraram da Alemanha para Portugal, provavelmente em fins do século XIX. Levaram seu filho pequeno, meu avô[1].

Primeiro fixaram residência na cidade de Guimarães, em Portugual. De lá vieram para o Brasil em uma das ondas de imigrantes europeus estimuladas pelo governo brasileiro. Pararam primeiro em Curitiba e em seguidamudaram-se para uma pequena cidade nas imediações de Juiz de Fora (MG), chamada Pati do Alferes. Lá Hans registrou os seus filhos, mas queria que eles tivessem um nome brasileiro. O nome escolhido para meu avô foi Francisco Antunes da Silva Guimarães. Ao que parece, o último sobrenome foi emprestado da cidade de Guimarães, onde viveram em Portugal. Os outros, só Deus sabe que inspiração tiveram.

Essa é uma versão. A outra teria sido contada pela própria Vovó Diva que, nesse dia, estava sentada na sala de almoço, no seu lugar de sempre[2]. Vejam o que ela contou:

“Meus avós paternos eram da Alemanha. Lá nasceu meu pai. Meus avós foram para Portugal, onde nasceu o segundo filho e minha avó morreu no parto. Os dois filhos tinham uma grande diferença de idade. Viúvo, o meu avô veio para o Brasil, onde morou primeiro no Rio de Janeiro com os filhos. Como tiveram muitas dificuldades financeiras, mudou-se para uma cidade vizinha a Juiz de Fora. Meu avô e meu pai mudaram de nome, do alemão para o português, para facilitar a comunicação no Brasil. Como eles moraram na cidade de Guimarães (em Portugal), tomaram emprestado seu nome e o colocaram como sobrenome”.

Há algum tempo atrás encontrei um manuscrito de Diva, datado de 1986, onde ela diz: “Francisco A. S. Guimarães, nascido em Simão Pereira (Juiz de Fora) em 09/05/1861, filho de Francisco Guimarães e Catarina Guimarães, descendente de português e alemã…”

Como se pode ver, há muito a ser explicado sobre a origem de Francisco Antunes da Silva Guimarães. Mas, tudo indica que ao menos sua mãe tinha origem alemã e que o Guimarães do sobrenome, adotado pela família no Brasil, é uma referência à cidade portuguesa de Guimarães. É certo também, por vários testemunhos, que ele era um tremendo “casca grossa”, como se dizia antigamente.

Uma história de amor

A origem dos Costa é menos controvertida, mas nem por isso menos interessante. Tudo começa com uma história de amor, aí por volta de 1840. O amor de José Felisbino por Margarida.

Margarida nasceu em 1826 e era escrava do Barão de Sabará. Aos 14 anos já era uma menina linda, de pele aveludada, feições de rosto delicadas e corpo sensual. Cedo foi chamada para o serviço da Sinhá, longe da fazenda e da senzala. Morava no sobrado que o Barão construiu para a família em Sabará.

Não conheceu mãe nem pai e foi criada com as outras escravas na fazenda, solta e livre como bicho, até que um filho do Barão começou a se enrabichar por ela. Informada do que se passava, a patroa logo mandou trazê-la para a trupe de aias e mucamas na cidade e em pouco tempo se afeiçoou a ela.

Quando Margarida saía para fazer compras no armazém ou para passear com sua patroa, os olhares masculinos de negros e brancos se dirigiam para ela mais do que para as filhas da Sinhá, refletindo admiração e desejo. Um olhar em especial era retribuído por Margarida. O de Luiz Felisbino[3], um fazendeiro português de 40 anos radicado no Brasil, solteiro, que vinha sempre à cidade. Só mesmo na cabeça de uma menina podiam vingar os sonhos de um futuro comum. A diferença de idade não era problema, pois Margarida assistia sempre na igreja os casamentos de meninas com senhores maduros, abençoados e cercados pelas benesses da gente fina de Sabará. Difícil, quase impossível, era imaginar um casamento de escrava com fazendeiro.

Por isso, a surpresa foi muita quando Luiz Felisbino veio visitar o Barão e sua esposa numa tarde quente de dezembro. Margarida não foi chamada, mas ouviu tudo pela porta entreaberta da sala de visitas. Depois de exaltar o caráter benevolente do ilustre casal, ele se propôs a comprar Margarida pela soma que fosse exigida. Disse apenas que via nela a serviçal perfeita para os seus serviços domésticos, eximindo-se de declamar a sua paixão pela moça.

As intenções reais foram perfeitamente entendidas pelo Barão e sua esposa que, gentilmente, se negaram a vender Margarida.

Luiz Felisbino voltou à carga várias vezes, sempre com ofertas mais atraentes, até que depois de muito tempo o Barão concordou com a venda. Mas, havia uma condição, disse o Barão, imposta por sua esposa: Margarida só iria morar com ele depois de se casar. A felicidade foi total, Margarida ganhou alforria e se casou com Luiz Felisbino na Igreja do Carmo, numa cerimônia quase luxuosa.

Um ano depois, ela estava grávida e mais bonita do que nunca, fazendo planos para o filho e preparando o enxoval. No dia do parto os sonhos dela e de Luiz se esfacelaram. Margarida não resistiu a uma séria complicação e faleceu aos 16 anos de idade, em 1842. A criança sobreviveu e recebeu o nome de Martiniano.

Luiz Felisbino voltou a se casar bem mais tarde com uma outra Margarida, esta da família Soares Ferreira, com quem não teve filhos. Morreu em 1871.

Martiniano e Ana Emilia

Martiniano Augusto Costa (1842-1917) era mulato e tinha vergonha dessa condição. Talvez por causa disso tenha escolhido a moça mais loira de Sabará para se casar, Ana Emilia Martins (1846-1918).

Mas, quem era exatamente Ana Emilia Martins Costa? Seu pai, Francisco Lopes, era um comerciante rico de Sabará que recebeu (provavelmente comprou) o título de visconde no Segundo Império. Dizem que teria gasto toda a sua fortuna na tentativa de restaurar o trono de D. Pedro II, perdido com a Proclamação da República em 1889. Empobrecido, concordou a contragosto com o casamento de Ana Emília, sua filha única, com o mulato Martiniano que, na época, teria uma vida abastada[4]. A mãe de Ana Emília era Francisca Assis Martins. Ela e seu irmão, Inácio Antônio Assis Martins (1839-1903), eram filhos de Eufrásia Assis.

Aqui há uma séria divergência. Maria Cristina[5] diz que Eufrásia era mãe solteira de vários filhos. Já José Francisco[6] traz a informação de que ela era casada com Francisco Assis Martins Costa. Nas origens genealógicas os gatos são quase sempre pardos…

O irmão de Ana Emilia foi mais um nobre (tardio) do Segundo Império. Depois de ter sido deputado e senador entre 1872 e 1889, Inácio Antônio Assis Martins ganhou ou comprou o título de Visconde de Assis Martins, recebendo-o em 20 de julho de 1889. Quatro meses depois a República foi proclamada. Saiu da vida pública e foi ser presidente do Banco Construtor do Brasil. Afinal, a troca não foi tão ruim assim.

O baronato

A nossa árvore genealógica faz referência a vários barões e viscondes. Mas, quem foram eles?

No Brasil, os títulos nobiliárquicos eram quase sempre comprados por fazendeiros e comerciantes ricos e serviam para ostentação do poder político da elite. O baronato acabou sendo uma espécie de legitimação do poder local, nos moldes dos coronéis da extinta Guarda Nacional. Os títulos não eram hereditários. Quando o barão morria, seu filho tinha que pagar uma vultosa quantia ao Imperador para perpetuar o título do pai. Foram concedidos cerca de 950 títulos durante o Segundo Império, sem dúvida uma boa fonte de renda para o Imperador e sua família.

Francisco e Esmeraldina Guimarães

Mas, voltemos a Ana Emilia e Martiniano. O casal teve 9 filhos[7], entre eles Esmeraldina Costa Guimarães (1872-1962), minha avó materna, mais conhecida como Nhazinha.

O fecho da história se dá quando Francisco Antunes da Silva Guimarães, o provável alemão, conhece Esmeraldina em Sabará, onde se casam em dezembro de 1893. Francisco era agrimensor da equipe de Aarão Reis, o engenheiro contratado pelo governo de Minas Gerais para planejar e implantar Belo Horizonte. Para se ter uma ideia de como era a relação entre eles, basta dizer que Nhazinha tratava o marido como “Senhor Guimarães”. Inaugurada a nova capital, a família veio morar numa chácara bem atrás da atual Estação Ferroviária, onde nasceram os 12 filhos[8] com exceção da mais velha, Olga.

Meu avô acabou perdendo a chácara, que se estendia por todo um quarteirão nas imediações das ruas Itajubá e Sapucaí, pois um “amigo”, de quem ele era avalista, não pagou as obrigações e ele foi obrigado a vender o imóvel para saldar a dívida. A situação financeira da família piorou quando Francisco ficou doente; mudaram-se para uma casa alugada na Rua Davi Campista. Meu avô morreu em 1930, um ano depois que Diva se casou com Luiz. Esmeraldina foi morar com os filhos numa casa à Rua Silva Ortiz, no bairro da Floresta, comprada por Olga, a filha mais velha que a essa altura estava formada em Farmácia e trabalhava no Instituto Ezequiel Dias, como química. Para enfrentar os problemas financeiros, os filhos e também as filhas foram obrigados a trabalhar, numa época em que o trabalho da mulher fora de casa ainda era uma raridade. Mas, foi por conta de seu emprego que Diva conheceu Luiz.

 

[1] Não se sabe o nome que Francisco tinha na Alemanha. Ele teria um único irmão chamado José, nascido em Portugal, pelo que dizem alguns parentes.Numa árvore genealógica desenhada por Carlos Alberto Cadaval aparecem mais duas filhas de Hans Becker, Alice e Carmem, mas não foi possível  identificar a fonte desta informação.

[2] Essa versão foi anotada por Ricardo Cadaval.

[3] Luiz Felisbino Costa, falecido em 1871.

[4] Em 1889 Ana Emilia já era uma “vielledame” de 43 anos (sic), provavelmente já casada, o que não combina com o empobrecimento de Francisco Lopes depois da Proclamação da República.

[5] Maria Cristina Assunção Nunes Pinto é filha de Mário, meu primo, e foi quem deu a contribuição decisiva para a montagem da árvore genealógica da Família, no ramo Costa-Guimarães. Ela preencheu pacientemente e com muita competência um sem número de Folhas de Grupo Familiar consultando várias fontes, que são a base de todo o trabalho posterior. Ficam aqui os nossos agradecimentos a ela.

[6]José Francisco Guimarães Costa é meu primo. Ele coletou e nos enviou preciosas informações sobre ancestrais bem antigos do ramo Costa-Guimarães e para isso usou, entre outras fontes, os depoimentos de sua tia, Maria Costa. A ele também o nosso reconhecimento e agradecimento. 

[7] Por ordem de idade: Antônia, Maria José, Esmeraldina, Francisca, Altina, José Augusto, Duarte, Antônio e Noeme.

[8] Por ordem de idade: Olga Catarina (o Catarina foi em homenagem à avó), Elvan (Tenente), Ara, Elton, Ilda, Dulce, Élson Antônio (Ninico), Diva, Dora, Eder (Nhonhô), Elmon (Elminho) e Zulma.

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O médico inventor de aviões

05/02/2017 by Mauricio Cadaval

Entrevista com José Ribas Cadaval[1]

“Dentro de pouco tempo, a navegação aérea não será mais um mito, será uma realidade pura e completa”, José Ribas Cadaval.

 

José Ribas Cadaval, médico, inventor e autor do livro Tratado de Aeronáutica[2], primeira obra de um brasileiro sobre o tema, publicada em 1913, viveu no auge da segunda Revolução Industrial. Era a época do surgimento de grandes invenções, como o avião e o navio a motor. Em poucos anos, o mundo assistiu a um desenvolvimento significativo das tecnologias para a indústria química, elétrica, de petróleo e do aço, com enormes consequências na economia e na vida da população.

Havia uma grande ebulição na área de ciência e tecnologia e as boas ideias se transformavam rapidamente em produtos, a maior parte deles voltados ao mundo militar. No curto período entre as duas grandes guerras mundiais, os países sabiam que a paz não seria duradoura. Quem estivesse mais preparado largaria na frente.

Imbuído pela filosofia em voga à época, o positivismo, e por uma grande dose de patriotismo, Cadaval buscava contribuir, com a publicação de seu Tratado, para o desenvolvimento de uma “aeronáutica militar” no Brasil, o que envolveria a fundação de uma escola e a criação de um arsenal de guerra, com a construção de dirigíveis e de outros aparelhos de navegação aérea.

Apenas sete anos antes, em 1906, Santos Dumont havia realizado o primeiro voo público de que se tem notícia, circulando a torre Eiffel a bordo do 14 Bis. A indústria aeronáutica, portanto, ainda não existia e o conhecimento científico e técnico sobre o tema estava em desenvolvimento.

Ribas Cadaval, apesar de não ser matemático ou engenheiro, estudou as teorias que havia até então e, com base nelas, inventou e conquistou a patente de um novo aparelho, o “aerostoplano”, um sistema híbrido entre um balão dirigível e um aeroplano.

Na entrevista* a seguir, questionamos Ribas Cadaval sobre detalhes de sua história, suas motivações e seus projetos.

Quando o senhor começou a se envolver com a aeronáutica?

Corria o ano de 1897 quando voei pela primeira vez. A bordo de um balão cativo, subi a 1000 metros acima do solo, marca significativa para a época. Eu tinha 34 anos e estava trabalhando como médico da Armada no navio cruzador-torpedeiro Tupy.  Quando surgiu a oportunidade de embarcar em um balão que fazia testes aéreos nas proximidades de Bruxelas, em companhia do aeronauta Baud Filho, não hesitei. Na longa viagem de volta da Europa para o Brasil a bordo do Tupy, me dediquei a idealizar o projeto de um balão dirigível. 

O que o motivou a estudar este tema?

Era claro para mim que o avanço da aeronáutica, muito mais do que satisfazer desejos inconscientes do ser humano, ligados às ideias de voo e liberdade, oferece um alto interesse prático à humanidade, que justifica todos os esforços e sacrifícios envolvidos no processo.

Quanto mais me envolvo com o tema, mais percebo que o Brasil precisa disso! Somos uma grande potência mundial e, apesar de não sermos um país conquistador, precisamos estar suficientemente aparelhados para garantir a defesa territorial e a soberania nacional. O que me encorajou neste caminho é, devo admitir, a vaidade do inventor, mas também o entusiasmo de patriota.

Em 1908, o senhor apresentou um protótipo de dois metros de uma aeronave a autoridades civis e militares, inclusive ao Marechal Hermes da Fonseca, Ministro da Guerra, e à imprensa. Como era este projeto?

Tratava-se de um balão, batizado de “Cruzador Aéreo Hermes”, que já trazia as origens da ideia que me deu destaque na aeronáutica: os planos de sustentação. Ou seja, ele foi projetado de tal forma que, se a força para subir faltasse, ainda assim a máquina seria capaz de planar, descendo demoradamente e evitando acidentes.

Como era uma máquina de uso militar, incluí como armas os torpedos-flecha e o “devastador incendiário”, substância que eu mesma inventei e que, depois de liberada, se espalhava queimando tudo que houvesse pelo caminho. Cada quilo da substância poderia se espalhar por uma área de 25 metros quadrados, com labaredas intensas e duradouras.

Hoje, no século XXI, as aeronaves voam a mais de 10 mil metros de altitude e a velocidades em torno de 900 quilômetros por hora. Comparativamente, como era o cruzador Hermes?

Bem, com a tecnologia disponível à época, previmos que ele seria movido por um motor de 60 cavalos e conteria 2,5 mil metros cúbicos de gás hidrogênio, podendo atingir 90 quilômetros por hora e cerca de 1000 metros de altitude. A aeronave seria feita de alumínio na metade inferior e seda na parte superior. Hoje, além do alumínio, se usam materiais sofisticados que não existiam à época, como fibras de vidro e de carbono.

O senhor chegou a aperfeiçoar este projeto. Como foi isto?

Alguns anos mais tarde, aprimorei a ideia inicial ao desenvolver o projeto de um “aerostoplano” – sistema misto que inventei, que utiliza a aerostação, ou seja, a construção de aparelhos mais leves do ar, como os balões, conjugada ao sistema dos aeroplanos, que precisam de um motor e um propulsor para voar,  já que são mais pesados que o ar.

Nesta época, o senhor estava totalmente dedicado à aeronáutica e chegou a realizar experiências em um túnel de vento na Suíça, tendo sido o primeiro brasileiro a trabalhar com este tipo de teste. Como foi este período e o quê mais o senhor desenvolveu por lá?

Bom, em 1909 eu pedi licença da Marinha para estudar eletroterapia e higiene naval na Europa e nos Estados Unidos. Estudei os dois temas, mas também aproveitei para aperfeiçoar meus conhecimentos aeronáuticos e, inclusive, cursei a Escola Superior de Aeronáutica de Paris.

Em 1911, obtive o primeiro sucesso: consegui a patente francesa para um “aeróstato planador dirigível”, ou seja, o aerostoplano, o que mostra que a minha invenção era viável e inédita.

Em 1912, montei um gabinete aerodinâmico para estudar a reação do ar sobre corpos em movimento em Teufen, na Suíça. Lá, construí um túnel de vento de 23 metros de comprimento e 3 metros de largura, que serviu para que eu testasse modelos reduzidos de aeronaves.

Quando voltei ao Brasil, pedi ao Ministro da Marinha, o contra-almirante Joaquim Marques Batista de Leão, autorização para construir na Escola Naval da Ilha das Enxadas o meu mais novo projeto: o Hidroplano Estável Cadaval.

E ele foi construído?

Infelizmente, não. O professor responsável pela escola, o capitão-de-corveta José Pinto da Motta Porto despachou meu pedido informando que as oficinas teriam condições técnicas para a construção do hidroplano, mas que ele não iria autorizar o uso da mão de obra dos alunos.

Quando o assunto chegou novamente ao gabinete do Ministro da Marinha, ele decidiu enviar a proposta à Inspetoria de Engenharia para avaliação. Acredito que os engenheiros se irritaram por eu ter dito que não haveria órgão técnico habilitado para avaliar o assunto e decidiram negar a continuidade do projeto. Apontaram falta de precisão, mas não quiseram rediscutir os cálculos ou fazer novas propostas.

Na sua opinião, faltou apoio do governo brasileiro ao desenvolvimento da tecnologia nacional?

Sim, em discurso que fiz na inauguração oficial da Sociedade Nacional “Confederação Aérea Brasileira”, mostrei que o Brasil teve pioneiros relevantes na aeronáutica, como Bartolomeu de Gusmão, que inventou o aeróstato, Júlio César, Augusto Severo e o glorioso Santos Dumont, mas, ainda assim, absolutamente nada estava sendo feito até aquele momento em prol da navegação aérea. Abro exceção para dois personagens que defenderam a aeronáutica do país, que foram o Barão de Tefé e o marechal Hermes da Fonseca.

Há quem o critique por ter se dedicado à aeronáutica, afinal, a sua formação é de médico e não de engenheiro ou matemático, como haveria de se supor. O que o senhor acha disso?

Não temo as críticas dos que acham estranho que um médico se aventure nestas questões. Acredito, afinal, que os profanos, como eu, inventam por intuição e os engenheiros depois fazem aquilo que lhes compete, isto é, aperfeiçoam.

Quando editei meu livro na Bélgica, tendo mandado imprimir 20 mil exemplares inteiramente às minhas custas, já tinha a convicção que mantive ao longo da minha vida: dentro de breve tempo, a navegação aérea não será mais um mito, será uma realidade pura e completa. E não se dirá mais dos que se dedicam com verdadeiro e estoico heroísmo a esta nova e futurística ciência, que eles são sonhadores ou semi-doidos…

[1] *Texto literário, baseado em trechos do livro Tratado de Aeronáutica e em pesquisa sobre a vida e obra de José Ribas Cadaval, nascido em 1863 e falecido em 1920.

[2]CADAVAL, JOSÉ RIBAS– Tratado de aeronáutica: Navegação Aérea, dos mais leves que o ar (dirigíveis) dos mais pesados que o ar (aeroplanos). Bélgica: Typ. Cl. Thibaut, 1911. 392 p.,. O autor era tio-avô de Mauricio Cadaval.

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Acidente de avião

05/02/2017 by Mauricio Cadaval

O céu de Lima está sempre encoberto por um espesso manto de nuvens brancas. Ao menos era sempre assim que eu via a cidade no tempo em que trabalhei por lá. E, no entanto, nunca chove. Quando o avião decola, durante alguns minutos desfilam pela janela as casas sem telhados e os tetos que servem apenas como depósitos para coisas empoeiradas. Mas logo a cidade desaparece e a névoa branca envolve o avião no seu caminho ascendente até que surge o azul e o sol da manhã brilha intensamente. Alguns minutos adiante, já na travessia dos Andes, surgem as grandes crateras de vulcões e os picos nevados.

O voo até São Paulo foi tranquilo e o sono veio fácil.

Num movimento lento e constante, uma fenda foi se abrindo no centro da cidade e os carros se jogavam dentro dela. Do meu quarto no oitavo andar do hotel eu via o enorme abismo se aproximar e não conseguia reagir, paralisado, aguardando o desfecho inevitável. O telefone tocou e alguém me dizia, num espanhol confuso, para não entrar no elevador e nem me atirar pela janela.

Acordei com a aeromoça informando que dentro de alguns minutos iniciaríamos nossa descida para o Aeroporto de Guarulhos. Tempo bom e temperatura de vinte graus.

Lembrei-me do que se passou na primeira semana de trabalho em Lima. Fui recebido como autoridade e logo acomodado num hotel de luxo em Miraflores. À noite, quando eu voltava para o que era então “a minha casa”, ficava extasiado com as luzes do bairro vistas pela janela do meu quarto no oitavo andar. O idílio durou pouco. Durante uma reunião num prédio do governo próximo ao Porto de Callao, um forte terremoto fez todos os funcionários descerem correndo pelas escadas e se postarem num pátio interno, assustados e ofegantes, eu mais do que eles. O edifício tinha apenas dois andares. Foi o meu primeiro terremoto e nunca esquecerei a terrível sensação de perder o apoio do chão e ver o prédio inteiro tremer em minha volta.

Custei a dormir naquela noite, imaginando como seria se houvesse um terremoto durante a minha permanência no hotel. No dia seguinte pela manhã fui ao escritório do meu contratante e chorei as pitangas para deixar o luxuoso hotel e alugar uma simples casa térrea, sem importar a localização. A contragosto, eles me deram autorização e rapidamente aluguei uma casa em que a minha cama ficava junto a uma porta de correr de vidro, a meio metro do jardim.

Alguns dias depois fui convidado para uma festa na coberturade um prédio de doze andares. A dona da casa, muito gentil, veio conversar comigo e, preocupado com a situação, não consegui evitar uma menção ao medo de terremotos. Ela procurou me tranquilizar dizendo que os terremotos são frequentes em Lima, mas, na maioria das vezes, não chegam a causar maiores danos. E contou-me que certa vez, quando foi a São Paulo, se deparou com uma daquelas terríveis tempestades que escurecem o céu no final da tarde, em meio a raios e trovões, e ficou aterrorizada. Como em Lima não chove, essa tempestade parecia para ela algo ameaçador e muito preocupante. O mesmo deveria estar acontecendo comigo em relação aos corriqueiros terremotos limenhos.

Em Guarulhos, depois de uma longa espera, embarquei num avião para Brasília com escala em Goiânia. Era um domingo, 16 de setembro de 2001. Mais tarde vim a saber que eu estava no voo 2240 da Varig e que a aeronave era um Boeing 737-200.

Em geral eu prefiro sentar na poltrona junto ao corredor. Naquele voo, com muitos assentos vazios, encostei-me à janela e passei quase todo o tempo olhando distraidamente a paisagem. Na chegada a Goiânia, chovia muito e as trepidações aumentaram, mas nada que abalasse a minha tranquilidade. Perto do solo, percebi que alguma coisa estava errada na aproximação da pista, um desvio anormal, alguma coisa assim.

O que aconteceu em seguida foi questão de segundos. Debaixo da forte tempestade, o avião tocou o solo fora da pista, houve um estrondo, ele inclinou-se para a direita (o lado em que eu estava) e arrastou-se por muitos metros até uma manobra súbita que o recolocou na pista novamente, mas, desta vez, sem o trem de pouso que havia se quebrado. Dentro, o pânico era total, as pessoas gritando, as bagagens voando e muita fumaça; alguns passageiros foram lançados para fora das poltronas e várias delas se deslocaram para o corredor. Pela janela, vi que a asa do avião havia se partido e o que sobrou dela se arrastava no chão. A enorme turbina saiu voando e foi parar a 300 metros da pista.

Dentro da pista, o avião literalmente se arrastou de lado por quase 600 metros. Apavorado, coloquei os pés no encosto da poltrona à minha frente, fechei os olhos e esperei pela morte que viria quando aquela enorme massa desgovernada explodisse ou se chocasse contra algum obstáculo. Tive a sensação mais vívida do fim que alguém pode ter. Para minha surpresa, o avião parou repentinamente e, ainda tonto, ouvi os gritos desesperados das aeromoças que, junto da porta aberta, alertavam os passageiros sobre o risco de explosão e os incitavam a sair correndo. Como sair correndo no meio de todos aqueles escombros, com a fumaça embaçando tudo e doendo nos olhos? Além de tudo, o avião estava muito inclinado para o lado em que eu estava e cai na primeira tentativa quando quis chegar ao corredor. Quase impotente, olhei pela janela e vi o combustível jorrando da asa quebrada. Acho que foi isso que me estimulou a tentar novamente.

Como o corredor estava cheio de gente tentando escapar da explosão iminente, tive a infeliz ideia de pegar uma sacola com duas garrafas de whisky que havia comprado no free shop de São Paulo e a pasta com o meu notebook, uma em cada mão. Quando consegui chegar ao escorregador inflável, o peso da carga me obrigou a descer de cabeça e assim atingir a pista. Acho que bati o recorde olímpico de agilidade para ficar em pé e de velocidade na corrida desesperada para me afastar o mais possível da aeronave. Já distante, vi que o avião não havia pegado fogo, talvez por causa da tempestade que caia, que sei eu? Alguns passageiros se feriram no acidente, mas nenhum gravemente.

Um fato me deixou intrigado até muito tempo depois. Durante o voo eu havia lido um artigo que julguei ser de interesse para a Rosana; recortei e guardei naquela bolsa em frente ao meu assento. No sufoco da evacuação, quando tudo indicava um alto risco de explosão, tive o impulso de voltar ao meu lugar e recuperar o recorte de jornal. Se não fiz isso foi porque, simplesmente, o aglomerado de pessoas não permitia. Pensei comigo mais tarde: talvez a situação de perigo tenha me deixado louco por alguns instantes, pois só um louco teria o ímpetode voltar para recuperar um pedaço de jornal.

Demorei meses para matar a charada. Em situações limites, a mente procura se defender do risco de extinção e gera um derivativo – ainda que absurdo como naquele caso – ou seja, uma espécie de negativa da ideia de morte. Não sei se estou certo, mas a explicação me satisfaz.

Por conta de um trabalho, voltei diversas vezes a Goiânia nos meses seguintes e, a cada vez, acompanhava o destino do avião acidentado. Ele foi arrastado até um local próximo ao desembarque de passageiros e ali ficou. Um funcionário da Varig me informou que a perda foi total e não havia como recuperar a aeronave. Aos poucos foram retirando o pouco que havia de aproveitável, até que sobrou apenas a carcaça. Um dia, quando voltei por lá, a carcaça havia sumido. Fiquei curioso com o destino que lhe foi dado, mas não tive tempo de perguntar no Aeroporto.

Tomei um taxi e segui na direção do centro. No meio do caminho, bem ao lado da avenida, lá estava a carcaça do fatídico avião transformada num bar, restaurante ou coisa parecida.

Hoje, muitos anos passados, restou o que guardei em minha memória, cada dia mais frágil.

 

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